terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Rocco Escultor comenta a controvertida questão do busto como perspectiva do retrato na história da escultura.

A presença dos bustos em bronze e mármores na história da arte ocidental como chegam até nós em termos de conceitos atuais, podemos em linhas gerais dizer que surgiram a partir do sec XVI na revolução comercial, pós idade média ainda que na grecia e roma, já se esculpia e modelavam bustos mas ainda assim com perspectivas sutilmente diferentes do que assimilamos hoje o conceito de busto.

Meu interesse nesse pequeno artigo é exprimir meu ponto de vista a respeito do busto e do retrato artístico dentro da questão apartemente insolúvel sobre do que se trata a discussão: um bom retrato, um bom busto de um mal retrato ou um mal busto. Digo que quero exprimir minha opinião porque não quero que minhas palavras venham parecer  qualquer tipo de " tratado de Rocco Escultor sobre o busto e o retrato em escultura". Nada disso. Desejo simplesmente traduzir em palavras o que eu entendo por um bom ou um ruim trabalho de busto-retrato. Aceito de bom grado qualquer crítica ou opinião diversa a respeito.

O retrato de Voltaire , ao lado, do escultor, Jean Antoine Houdon, segue a linha Neoclássica de concepção artistica de um busto. Convenção da época. Escultor do século 18 de indiscutível qualidade captava com maestria o lado psicológico do retratado, expressando e indo além da arte do busto em si mesmo, projetando o retratado para além da matéria em si concebida. Ainda que, deixemos muito claro, numa obra de concepção bastante realista. A seguir comentarei uma obra de Rodin para tecermos comparações. Continua...

Continuando, Se observarmos com carinho esse busto do Compositor Mahler da autoria do escultor frances Auguste Rodin, descobriremos uma sutil diferença de tratamento da modelagem desse busto.
Gustav Mahler é um compositor da escola romântica, assim como o proprio escultor Rodin.

Tanto a escultura de Rodin, como seus bustos, já rompem com o tratamento classissista de Houdon. Imprime Rodin em sua modelagem, um ligeiro e mais largo gesto no tratamento do busto sem perder a fidelidade do retratado. Olhamos para o busto e reconhecemos o compositor retratado, muito embora já sem o detalhamento classico e realista, mas agora o sentimento do escultor se apresenta no modo de modelar o busto, participando também da obra. Uma sutil gestualidade se impõe na plástica do busto em bronze em contraponto com o detalhamento classico-realista de Houdon. Talvez como se Mahler fosse fotografado atraves de uma névoa ou uma neblina que tornasse suave os detalhes de seu rosto, criando uma atmosfera meio velada, que não existe nos bustos da escola classissista, tanto de Houdon , como de outros escultores do período classicos e neo-classico. Mais adiante continuaremos nossas analises e trarei para voces bustos de escultores modernos.

Em se tratando de atmosfera modelada pelo escultor quando esculpe ou modela um busto, ao lado vemos um pequeno busto retratado pelo escultor italiano Medardo Rosso um pouco mais recente que Rodin, já fazendo parte do Século XX, dialogando com a escultura moderna, pós romântica.
Aqui nesse busto, Rosso leva mais adiante o espírito da atmosfera nublando os detalhes do retratado numa perspectiva tradicionalmente mais utilizada muito pela pintura romântica de um Turner ou Constable.
A subjetividade e a atmosfera aqui, ocupa o lugar da exatidão detalhista do escultor neo-clássico (Houdon) ou à expressividade romântica dos traços gerais do retratado pelo escultor( Rodin). O busto de Medardo Rosso agora, prima pelo conjunto e busca, ao meu ver captar não mais o aspecto psicológico ou a expressividade romantica em seu busto mas, a substância da alma do retratado. A essência primordial desse ser que foi objeto e modelo do escultor. Deixando de lado perspicácia psicológica e ou expressividade emocional, o escultor como que um espiritualista agora, procura a verdade subjacente do retratado, desprezando todas as variações convencionais até então consideradas. Procurava Medardo Rosso a Essência de Constantin Brancusi??? Teria ido Brancusi mais além nas pretensões de Medardo Rosso? No proximo comentário analisaremos os retratos de Brancusi e a sua busca pela essencia na arte e no busto - retrato influenciando assim, em definitivo a arte abstrata.


Constantin Brancusi, escultor romeno pertencente à virada do séc XIX para o século XX.

Postei esse busto intitulado "Musa" , em marmore, para relacionarmos nossa análise do caminho da abstração do retrato ou busto em escultura.
Para quem conhece bem a história da arte, ao se deparar com essa obra de Brancusi, certamente se recordará das esculturas de Amedeo Modigliani. Natural. Brancusi sofre influência certamente de Cèzanne e inúmeros formalistas que o antecederam. Mas deixemos as influências históricas de lado nesse momento, da qual trataremos em momento mais oportuno, para analisarmos a transformação formal e também conceitual na arte de criar um busto. Falávamos de Medardo Rosso e de como ele "limpou" todos os detalhamentos tanto da escultura romântica quanto da clássica. Síntese no modelado de Rosso, mas uma síntese que poderemos chamar de misteriosa, nublada... sugestiva. Diversa é a síntese de Brancusi. Essencial e abstrata, assim poderemos chamá-la. Não existe atmosfera alguma na "Musa" de Brancusi. Existe sim, substância. Brancusi manteve o titulo de seu busto ainda na forma tradicional. Um busto de uma "musa", tal qual as inspirações das esculturas gregas. O conceito de busto de Brancusi, nesse caso é classico, mas o tratamento não. O tratamento não produz nenhum sentimento típicamente clássico no apreciador desse busto. Não produz porque o busto está completamente desprovido de detalhes das particularidades pessoais e de expressões da musa retratada. Teria Brancusi se inspirado em alguma musa real? Seja como for, o resultado do busto está para além do ideal. Ele chegou ao essencial! Quis Brancusi flagrar não mais os aspectos psicológicos ou espirituais da musa retratada. Quis sim extrair e nos expôr a sua essência. Abstraiu por completo aquilo que para ele não mais interessava na superficie das coisas, concebendo formalmente um busto semi-abstrato, abrindo então as portas da artes abstrata para a história da arte tal qual a conhecemos hoje.


Nos deparamos aqui agora ao lado, com quatro bustos do escultor suíço Alberto Giacometti.
A linguagem adotada pelo escultor Brancusi,estaria no sentido oposto a forma como Giacometti concebe seus bustos? Giacometti não evita a dramaticidade como componente participativo em suas obras. De vocaçao mais existencialista, o escultor suíço, como que "se incui" na obra como um indivíduo que exprime nela seu sentimento e talvez seus tormentos. O expressionismo em seus bustos, dialoga com a tradição vizinha desse conceito de trabalho, Gioacometti nasce em 1901, numa época aonde o romantismo na escultura era muito influente, assim como o escultor Bourdelle entre outros.
O conceito de busto como uma instituição da escutura em seu tempo era utilizado por Giacometti, porém sustentava um tratamento bastante expressionista. Tal licença poética possibilitava as distorções de seus retratados, "investigados" digamos assim por Giacometti para assim imprimir em seus bustos aquilo que o escultor entendesse como mais importante: O sentimento existencialista.
Novamente, nos bustos de Giacometti nos deparamos com a "leitura do escultor" da realidade ao seu entorno. Realidade essa, percebida pelas "lentes" de sua consciencia e percepção pessoais. Amigo de escritores existencialistas, teria sido afetado por seu ambiente social ao procurar captar a fragilidade humana tão presente em seus bustos? Em seus bustos, assim como em suas esculturas, não percebemos a idealização e a graça tão presentes em bustos do tempo que o cerca. Notamos a procura do aspecto, quem sabe mais tragico, intrínseco no retratado, que no final das ccontas representa mais uma individualização da tão estupefada condição humana de seu tempo.




Cabeça de Mulher ( Fernande ) - Pablo Picasso



Cabeça de Mulher, de Pablo Picasso, também se encontra concebida como um conceito de retrato no sentido convencional do termo, porém com um tratamento anti-convencional, para a época. Assim como nos bustos tradicionais e nas esculturas convencionais, o bronze e o marmore são materiais recorrentes. Na moderna "Cabeça de mulher" de Picasso, encontramos o material convencional resistindo como suporte, isto é, o material utilizado. No caso aqui, o bronze.

Claro que, quando se criavam bustos em bronze, nem todos eram concebidos com a parte do tórax e ombros, como convencionalmente conhece-se. Por isso , o termo convencionalmente chamado de "busto".

As cabeças, muitas vezes modeladas pelos escultores, de forma tradicional, eram muitas vezes cortadas , já no término do pescoço, como podemos notar na própria escultura de Rodin sobre o retrato de Mahler. Eram chamaos de bustos no sentido convencional do termo, embora tratasse de um retrato em escultura.
Esclarecida a questão sobre estarmos observando na "Cabeça de Mulher" de Picasso, ainda um suporte conceitual e técnico tradicional, veremos agora que algo anti-convencional está acontecendo no tratamento da modelagem dessa escultura: A maneira cubista de Picasso trabalhar a forma das suas pinturas, ocupa agora a linguagem dessa escultura. A liguagem cubista dessa cabeça em bronze, não é mais classica como o busto de Voltaire de Houdon, também não possui a busca romantica de que Rodin procurou no retrato de Mahler, tampouco busca a síntese e a essência da escultura de Brancusi e também não dialoga com o expressionismo sentimental dos Bustos de Giacometti.
A atitude de Picasso em sua escultura "Cabeça de Mulher" reporta o próprio título da obra ao seu foco primordial: Trata-se de uma cabeça, e não mais um busto ou um retrato. Esse título sugere uma certa impessoalidade tratando a modelo retratada, quase como que um objeto a ser analisado. O tratamento recortado da modelagem, colocam no bronze de Picasso, uma atitude praticamente analítica da forma. Herdeiros de Paul Cezanne, os cubistas procuravam a desconstrução da forma e inumeras possibilidades de reconstruí-las segundo suas percepções sugeriam. Varios pontos de vistas remontados em um só angulo. O cubismo é analitico, não tem as preocupações psicologicas do retratado , tampouco o sentimento dramatico sobre o que o modelo possa inspirá-lo, nem a busca da síntese ou a essência.
Agora, Picasso, nesse pequeno busto em bronze, analisa, desmonta e reconstrói a cabeça de uma mulher de modo frio e analítico e propondo uma nova leitura da forma tridimensional como a conhecemos.

Continua

Nenhum comentário:

Postar um comentário